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Nomy Lamm

Posted in 1 with tags , , , , on Setembro 24, 2009 by Íris N. do Carmo

stop hating your body

Conheci um pouco sobre Nomy Lamm (Naomi Elizabeth Lamm) através de um post no blog do Coletivo de Ação Feminista de Curitiba, e gostei tanto que não tinha como não postar aqui a tradução feita pela Carol (do coletivo citado) de um texto dela, sobre a sua relação pessoal com o seu corpo, o feminismo, a noção de revolução, e como a comunidade punk lida com tudo isso. É do tipo de coisa que nos fortalece e emociona. Sentir-se bem com o corpo – investido também por relações de poder – é uma questão urgente para nós mulheres. Vamos aprender com Nomy Lamm!

It’s a Big Fat Revolution
por Nomy Lamm

Vou escrever um ensaio descrevendo minhas experiências com opressão contra o corpo gordo e as maneiras com as quais o feminismo e o punk tem influenciado meu trabalho. Será claro, conciso e bem elaborado, e será exposto como artigo tese básico, no formato acadêmico. Vou lidar com estas questões de forma madura e intelectual. Vou me vangloriar com palavras difíceis sempre que possível.

Eu menti. (Você provavelmente sacou essa, hein?) Não posso fazer isto. Esta é a minha vida, e minhas palavras consistem na mais eficiente ferramenta que possuo para confrontar esse mundo-de-garotos-brancos (este é o meu jeito punk e bonitinho mas oh-tão-revolucionário de dizer “patriarcado”). Se tem uma coisa que o feminismo me ensinou, foi que a revolução será nos meus termos. A revolução será incitada pela minha voz, pelas minhas palavras, não pelas palavras do universo de intelecto masculino que já existem. E eu sei que um cambau de muito do que eu digo é totalmente contraditório. Minhas contradições podem co-existir, porque elas existem dentro de mim, e eu não vou simplificá-las para que elas possam caber no padrão linear e analítico em que eu sei que elas deveriam caber. Eu acho que é importante reconhecer que essa coisa toda realmente contribui com a revolução, de verdade. O fato de eu escrever assim porque é o jeito que eu quero escrever faz desse mundo simplesmente mais seguro para mim.

Quero explicar o que eu quero dizer quando falo “a revolução”, mas não tenho certeza se vou conseguir. Porque ao mesmo tempo em que estou sendo totalmente séria, eu também vejo o meu uso do termo como gozação com ele mesmo. Parte da razão para isso é que eu estou completamente ciente de que eu ainda faço parte da cultura dominante de várias maneiras. A revolução poderia muito bem ser feita contra mim, ao invés de ao meu favor. Eu não NomyLamm2009quero me fazer soar como se eu fosse a mais oprimida, mais punk-rock, mais revolucionária das pessoas no mundo. Mas ao mesmo tempo eu acho que revolução é uma palavra que eu deveria usar o mais frequentemente possível, porque é um conceito do qual eu preciso estar consciente. E eu também não quero dizer de um jeito abstrato nem intelectualizado. Eu realmente acho que a revolução começou. Talvez não seja aparente na cultura mainstream ainda, mas eu vejo isto como um bom sinal. Assim que a cultura mainstream perceber essa revolução, ela tentará cooptá-la.

Por ora a revolução acontece quando eu passo a noite toda acordada falando com minhas melhores amigas sobre feminismo e marginalização e privilégio e opressão e poder e sexo e direito e rebelião da vida-real. Por ora a revolução acontece quando eu vejo uma garota se posicionar de frente para uma multidão e relatar a todxs sobre seu abuso sexual. Por ora a revolução acontece quando eu recebo uma carta de uma garota que eu nunca conheci e que diz que o zine que escrevi mudou a sua vida. Por ora a revolução acontece quando os sem-teto daqui acampam por uma semana no meio do centro da cidade. Por ora a revolução acontece quando sou confrontada por umx amigx sobre algo racista que eu disse. Por ora a revolução acontece na minha cabeça quando eu vejo o quão brilhantes minhas amigas e eu somos.

E estou vivendo a revolução por meio de minhas memórias e por meio da minha dor e dos meus triunfos. Quando penso sobre todas as marcas que possuo cravadas por essa sociedade, eu fico maravilhada por não ter me tornado um monte de merda inútil. Fatkikecripplecuntqueer, em poucas palavras. Mas aí eu tenho que levar em conta o fato de que sou articulada, branca, uma garota educada, de classe média, e que isso me concede uma pancada de privilégio e oportunidade de lidar com a minha opressão que pode não estar disponível para outras pessoas oprimidas. E desde que minha personalidade e meu ser não estão dividos em parte privilegiada e parte oprimida, tenho de lidar com as maneiras com que essas duas partes interagem, se equivalem e às vezes até se ofuscam. Por exemplo, eu nasci com apenas uma perna. Acredito que seja grande coisa, mas que nunca influenciou minha imagem corporal do mesmo jeito que ser gorda influenciou. E o que significa ser uma mulher branca em oposição a uma mulher de cor? Uma garota gorda de classe média comparada a uma garota pobre e gorda? O que significa ser gorda, fisicamente inapacitada e bissexual? (Ou gorda, incapacitada e sexual, num todo?)

Veja, claro, ainda sou uma pessoa de verdade, e não estou sempre a vontade com o papel de revolucionária. Às vezes já é difícil o suficiente pra mim simplesemente sair da cama pela manhã. Às vezes é dificil o suficiente simplesmente falar com as pessoas, sem ter que lidar com as nuances políticas de tudo o que sai de suas bocas. Sem contar o fato de que eu faço toneladas de trabalhos em relação à opressão de gordxs, e que eu tenho trabalhado tão tão duro na minha imagem corporal, quando existem situações em que eu realmente odeio meu corpo e não quero lidar com ser forte o tempo todo. Porque eu sou forte e tenho pensado essa questão de tantas maneiras diferentes, e eu realmente tenho uma autoestima naturalmente elevada, cheguei num ponto onde posso dizer honestamente que amo o meu corpo e que sou feliz sendo gorda. Mas ocasionalmente, quando me olho no espelho e vejo esse corpo que é tão diferente dos das minhas amigas, tão diferente do que me disseram de como ele deveria ser, eu quero me esconder e nunca mais lidar com isso de novo. Nesses momentos não me parece justo que eu tenha sempre que lutar para ser feliz. Não seria mais fácil simplesmente desistir e partir para outra dieta para que eu possa parar com esta luta permanente? Então eu poderia ainda apoiar a fat grrrl revolution sem que me afetasse pessoalmente em todos os sentidos. E eu sei, eu sei eu sei que não é a resposta e que eu nunca faria isso comigo mesma, mas eu não posso dizer que é algo que nunca passou pela minha cabeça.

E não ajuda muito quando minhas amigas e minha família, que sabem como eu me sinto em relação a isto, continuam a fazer declarações anti-gordas e reclamando do quão gordas elas se sentem e mencionando novas dietas das quais ouviram a respeito e que estão morrendo para experimentar. “Estou parecendo uma melancia.” “Uau, estou tão feliz, agora eu visto tamanho sete ao invés de nove.” “Gosto deste espelho porque ele me faz parecer mais magra”.

Não consigo entender como elas ainda podem pensar desse jeito quando eu estou constantemente falando destes assuntos, e não acredito que elas achem que seja o tipo de coisa ok para se falar na minha frente. E não é como se eu quisesse censurar suas conversas perto de mim.. Eu só não quero que elas pensem dessa maneira. Eu sei que a maior parte disto reflete o jeito que elas se sentem em relação a elas mesmas e que não é a intenção me atacar ou invalidar o meu trabalho, mas isto faz com que seja muito mais difícil para mim. Isto coloca todos esses pensamentos dentro de mim. Hoje eu estava parada fora do trabalho quando eu vi um reflexo meu numa janela e pensei “Ei, eu não pareço tão gorda!” e eu imediatamente percebi o quão ferrada essa ideia era, mas que nem por isso me fez parar de me sentir mais atraente.

Eu quero isso fora de mim, não faz parte de mim, e teoricamente eu posso separar tudo e jogar fora toda a merda, mas ela nunca vai embora de verdade. Quando isto vai acabar finalmente? Quando poderei mudar para outras questões? Nunca vai acabar, e isso é muito difícil de aceitar.

Estou sobrevivendo neste sistema de opressão através de minhas memórias, e até mesmo quando não estou pensando a respeito, elas estão lá, influenciando tudo o que eu faço. Cinco anos de idade, minha primeira dieta. Sete anos, sendo declarada oficialmente “acima do peso” por pesar cinco quilos a mais do que uma criança “normal” de sete anos de idade deveria pesar. Dez anos de idade, aprendendo a passar fome de propósito e ser feliz me sentido constantemente tonta. Treze anos de idade, passando do limite que me faz ser maior do que minhas amigas para ser de fato “gorda”. Quinze anos, ouvindo os garotos na sala ao lado falar sobre o quão gorda (e logo, não atraente) eu sou. Sempre que me apresento, eu me lembro quando meu pai dizia que ele não gostou da coreografia que eu fiz porque eu parecia gorda enquanto dançava. Toda vez que pinto o meu cabelo eu lembro quando minha mãe não me deixava tingir o cabelo na sétima série porque ver gente gorda de cabelo pintado fazia com que ela pensasse que elas estavam apenas tentando acobertar o fato de que eram gordas, tentando parecer interessantes a despeito disso (quando claro que é óbvio que é o que elas realmente devem fazer se elas querem parecer atraentes, certo?) E essas são grandes lembranças para as quais eu posso apontar e dizer, “Isso dói.” Mas e o que dizer de toda uma vida de mídia a qual eu fui exposta que me diz que só pessoas magras são amáveis, saudáveis, bonitas, talentosas, divertidas? Eu sei que estas mensagens estão lá, guardadas junto com o resto de minhas lembranças, mas eu simplesmente não posso rotular nem a elas nem aos efeitos em minha mente. Eles são elusivos e não necessariamente causam dor na hora. Eles estão bem disfarçados e amiúde parecem sedutores e românticos. (Nunca vou me apaixonar porque eu não posso ser levantada e girada no ar por ninguém…)

Por toda a minha vida a mídia e todos ao meu redor me disseram que ser gorda é feio. O que claro é apenas um padrão cultural que tem muitas, muitas mentiras médicas as quais recorrer. Estudos mostram que pessoas gordas não são saudáveis e tem baixa expectativa de vida. Estudos também mostram que pessoas famintas tem essas mesmas particularidades. Estes riscos de saúde para as pessoas gordas provam ser um resultado de contínua inanição — regimes — e não de serem gordas por si só. Eu não sou gorda devido à falta de força de vontade. Sou vegetariana desde os dez anos. Controlar o que eu como é fácil pra mim. Passar fome não é (apesar de que pela maior parte da minha vida eu desejasse que fosse). Meu corpo é para ser assim, e eu estive em um monte de regimes nos quais eu perdi peso por um período de vários meses e depois ganhei tudo de volta. Há dois anos eu finalmente acabei com esse ciclo. Não faço mais dietas para emagrecer porque eu sei que é assim que o meu corpo é para ser, e é assim que eu quero ser. Ser gorda não me faz ser menos saudável ou menos ativa. Ser gorda não me faz menos atraente.

Vejo na TV uma mulher magra dançando com um rapaz espetacularmente nomybonito, e sobre esta cena eu ouço, “Nunca fui feliz até ir para o [preencha o espaço vazio com algum programa de emagrecimento], mas agora eu recebo toda a atenção dos homens e eu me sinto tão bem! Não tenho que me preocupar com o que as pessoas dizem a meu respeito pelas minhas costas, porque eu sei que estou bonita. É um dever seu se dar a vida que você merece. Ligue para [preencha o espaço vazio com algum programa de emagrecimento] e comece a perder cinco quilos imediatamente!” A televisão me mostra um close-up de uma garota gorda aos prantos que diz “Eu tentei de tudo, mas nada funciona. Eu perco dez quilos, e ganho onze. Me sinto tão envergonhada. O que posso fazer?” A primeira vez que vi esse comercial eu comecei a chorar e memorizei o número na tela. Eu conheço esse sentimento de vergonha. Eu conheço o sentimento de não ter mais o que tentar, de sentir que sou inútil por não conseguir perder toda aquela “gordura indesejada”. Mas eu sei que a infelicidade não é um resultado do fato de eu ser gorda. É um resultado da sociedade que me diz que por ser assim, sou ruim.

Onde está a revolução? Meu corpo é lindo, e toda vez que me olho no espelho e percebo isto, estou contribuindo com ela.

Sinto que, nesse ponto, se espera que eu tente provar a você que ser gorda pode ser lindo, com descrições de “coxas com estrias e traseiros grandes e macios”. Não vou fazer isso. Não cabe a mim convencer ninguém de que ser gorda porde ser atraente. Me recuso a ser auto-intitulada a rainha do pornô tamanho grande. Você tem que descobrir por si só.

Não é o suficiente você me dizer que “não julga por aparências” — então ser gorda não lhe incomoda. Ignorar seus corpos e “julgar apenas o que está dentro de nós” não é a resposta. Isto parece acompanhar a mesma linha de raciocínio daquela brilhante escola de pensamento chamada “humanismo”: “Nós somos todxs pessoas, então vamos ignorar trivialidades como raça, classe, gênero, preferência sexual, tipo físico e assim por diante”. Besteira! Quanto mais ignoramos estes aspectos de nós mesmos, mais vergonhosos eles se tornam e maior é a expectativa de de ser o que geralmente é imposto quando esses atributos não são dados — branco, hetero, rico, magro, macho. É ilusório tentar fazer vista grossa para essas diferenças exteriores (e logo insignificantes, certo?), porque nós ainda estamos sofrendo lavagem cerebral com a mesma porcaria que todo mundo. Desse jeito nós só estamos não falando a respeito. Eu não quero que me digam, “Sim, você é gorda, mas você é linda por dentro”. É apenas mais um jeito de me dizer que sou feia, que de jeito nenhum eu sou bonita por fora. Ser gorda não é igual a ser feia, não me venha com essa. Meu corpo sou eu. Eu quero que você veja meu corpo, conheça meu corpo. A verdadeira revolução vem não de quando a gente aprende a ignorar nossa gordura e fingir que não somos diferentes, vem de quando aprendemos a usar isto em nosso favor, quando aprendemos a desconstruir todos os mitos que propagam o ódio axs gordxs.

Minhas amigas magras são constantemente reconhecidas pelo feminismo mainstream enquanto eu sou ignorada. A mentalidade mais difundida em relação à imagem corporal é algo do tipo: Mulheres se olham no espelho e pensam, “Eu sou gorda”, mas elas não o são realmente. De fato elas são magras.

De fato elas são magras. Mas eu sou, de fato, gorda. De acordo com a teoria feminista mainstream, eu sequer existo. Eu sei que mulheres frequentemente se olham no espelho e pensam que são maiores do que são. E sim, é um problema. Mas a análise não pode parar por aí. Há mulheres que são gordas, e é preciso lidar com isto. Ao invés de simplesmente confortar as pessoas, “Não, você não é gorda, você é apenas curvilínea,” talvez devêssemos desmistificar o ser-gorda e lidar com a situação como um todo. E eu não quero dizer talvez, quero dizer que é uma necessidade. Uma vez que percebemos que ser gorda não é “inerentemente ruim” (e eu não posso nem acreditar que estou escrevendo isto — “inerentemente ruim” — soa tão ridículo), então poderemos trabalhar o probelma como um todo ao invés de lidar apenas com uma parte insignificante dele. Todas as formas de opressão trabalham juntas, portanto elas devem ser combatidas juntas.

Acredito que muitas autoras do feminismo mainstream que dizem lidar com este assunto o estão fazendo de um jeito muito errado. Susie Orbach, por exemplo, com “Gordura é uma questão feminista” (Fat Is A Feminist Issue) nos diz: Não faça regime, não tente perder peso, não alimente a indústria da dieta, mas aí ela prossegue e diz: Mas se você se alimentar bem e se exercitar, você perderá peso! E eu sinto que é ótimo, legal, é tão maravilhoso que tenha funcionado para ela, mas ela não entendeu do que se trata. Ela está tentando ajudar as mulheres, mas na real está nos machucando. Nos machucando porque ela está dizendo que ainda só há um corpo que é bom para nós (e ela é quem vai nos ajudar a alcançá-lo!) É quase como aquela mulher do “Chega de Neura!” (Stop The Insanity), Susan Powter. Uma de minhas amigas leu o livro dela e disse que a primeira metade toda trata de opressão contra o corpo gordo e diz como é difícil ser gorda em nossa sociedade, mas aí ela diz: Então siga minha nova dieta! Esse tipo de coisa mexe tanto com nossas emoções que pensamos, “Uau, essas pessoas realmente me entendem. Elas sabem de onde vim, então devem saber o que é melhor para mim”.

E existem então tantas razões “liberais” para perpetuar o ódio axs gordxs. Sim, nós finalmente descobrimos que regimes nunca funcionam. Como, então, devemos explicar esta montruosidade horrorosa? E como podemos nos livrar dela? A nova visão “liberal” em relação à gordura é de que ela é causada por distúrbios psicológicos profundos. A infância dela foi ruim, ela foi abusada sexualmente, então ela come e fica gorda para que possa se esconder de tudo. Ela usa a sua gordura como um escudo protetor. Ou talvez quando ela era pequena, seus pais fizeram com que associasse comida com amor e conforto, então ela come como consolo. Ou então, como aconteceu comigo, seus pais sempre estavam fazendo dietas para emagrecer e sempre a importunando em relação ao que estava comendo, e aí a comida se tornou algo do qual se envergonhar e que deve ser escondida e mantida em segredo. E por um bom, bom tempo eu realmente acreditei que se meu pais não tivessem me infundido com todas essas atitudes de merda em relação à comida, eu não seria gorda. Mas foi aí que percebi que tanto meu irmão quanto minha irmã cresceram exatamente no mesmo ambiente que eu, e ambos são magros. Obviamente não é a razão pela qual eu sou gorda. Terapia não vai ajudar em nada, porque não há nada para ser curado. Quando vamos parar de nos agarrar a motivos para odiar gente gorda e perceber que a gordura é totalmente normal e uma coisa natural que não deveríamos nos livrar dela?

Fora o que eu disse antes sobre minhas amigas falarem coisas que realmente doem em mim, eu percebo que elas são, na real, bastante fora do comum. Não quero fazer parecer que elas sejam negligentes, pessoas ignorantes. Eu estou constantemente tratando desses assuntos e sinto que eu geralmente tenho a capacidade de confrontar minhas amigas quando elas agem insensivelmente, e elas vão entender ou ao menos tentar. Às vezes quando saio do meu círculo isolado de amigxs eu fico chocada com o “mundo real”. Ouço garotos no ônibus referindo-se às suas namoradas como se fossem suas “putas”, vejo mulheres gordas sendo alvo de importunações nas ruas, assisto TV e vejo como cada pessoa gorda é retratada como uma idiota obsessiva por comida, vejo mulheres tratadas como propriedade de homens que vêem a masculinidade como direito de poder… Eu deixo estas situações sentindo que a cena punk, na qual a maioria das minhas interações acontecem, é um abrigo. Eu não posso me imaginar vivendo numa comunidade onde eu não tenho para onde ir em busca de apoio. Não posso me imaginar vivendo no “mundo real”.

Mas aí eu tenho de lembrar que estas situações ainda estão lá, na minha comunidade — as mesmas atitudes ferradas são disseminadas no meio punk também; elas apenas tomam uma forma mais sutil. Sinto como se estas questões estão finalmente começando a ser reconhecidas e trabalhadas, mas o ódio axs gordxs é ainda um padrão. Claro que todo mundo concorda que não devemos fazer regime e que os distúrbios alimentares resultam de nossa sociedade repressora, porém geralmente a coisa não é levada muito além disso. Parece que as pessoas têm essa idéia de que o punk é desligado da mídia. Isso porque somos essa cultura cool e underground, somos imunes aos sistemas de opressão. Ainda assim, os mais legais, mais punks são os jovens magrxs. E os mesmos jovens legais que curtem tanto desafiar a “Amerika” capitalista são os que dizem que a gordura é o símbolo da riqueza e da ganância do capitalismo. Aham, é um jeito novo e diferente de pensar: Culpe a vítima. Espalhe a opressão institucionalizada. Pessoas gordas não são as que estão oprimindo esses pobres garotos emos e magrelos.

Este texto é para ser sobre opressão ao corpo gordo. Sinto como se fosse disso que eu sempre falo. Às vezes sinto que toda minha identidade se encerra na minha gordura. Quando estou inteiramente consciente de que sou gorda isto não pode ser usado contra mim. Fora do meu grupo seleto de amigos, em situações hostis, estou constantemente ciente de que a qualquer momento posso ser importunada. A menor das discussões com outra pessoa pode levar a um bombardeio de insultos ao meu corpo. Estou sempre pronta para isso. Descobri que isto não acontece tanto quanto eu esperava que acontecesse, mas ainda assim sempre fico atenta às possibilidades. Eu sou “a Garota Gorda.” Eu sou “a Garota Que Fala De Opressão”. Dentro do meio punk, é o meu escudo protetor. As pessoas me conhecem e conhecem o meu trabalho, então eu presumo que elas não vão rir do meu corpo pelas minhas costas. E se elas rirem, aí eu sei que terei apoio de outras pessoas ao meu redor. A cena punk me concede um monte de apoio que eu sei que eu não conseguiria em qualquer outro lugar. Sou capaz de publicar zines, fazer música, performances de spoken-word que são intensamente pessoais para mim. Eu me sinto realmente forte por não manter nada em segredo. Eu posso regredir ao velho clichê de que o Pessoal é Político, e não importa o quão banal isso possa soar, é a verdade. Passei tanto tempo sem nunca falar sobre ser gorda, de como isso afeta a minha auto-estima, sem nunca falar sobre as maneiras pelas quais eu sou oprimida por esta sociedade. Agora estou falando. Estou falando o tempo todo, e as pessoas me ouvem. Eu tenho apoio.

E ao mesmo tempo eu sei que tenho de ser cautelosa em relação a este apoio que recebo. Porque eu acho que para algumas pessoas isso é apenas visto como uma coisa legal, que ao me apoiar elas estão, de certa forma, recebendo um tanto de reconhecimento dentro do meio punk. Mesmo que eu seja totalmente aberta e não mantenha segredos, eu tenho que me proteger.

Esta é a revolução. Eu não entendo a revolução. Não posso colocar tudo no preto e no branco e dizer o que revolucionário e o que não é. A cena punk é revolucionária, mas não dentro dela, ou por ela mesma. Feminismo é a revolução; é solidariedade assim como é crítica e confrontação. Está é a fat grrrl revolution. É minha, mas não me pertence. Fuckin’ yeah.

© Nomy Lamm 1995. Retirado do livro Listen Up: Voices From The Next Feminist Generation, editado por Barbara Findlen e publicado pela Seal Press.